(por Bruno Damásio Simões)
Viver meio isolado em uma fazendinha no paraíso, “Alto Paraísooo”, como diriam los hermanitos argentinos, me fez esquecer um pouco de como funciona a vida na urbes (Ps.: Meus professores do mestrado vão ficar orgulhosos com o uso desse termo😬).
Estacionei hoje no CEASA, em Brasília, para facilitar a busca por uma vaga e evitar o assédio dos ambulantes da Feira dos Importados (Feira do Paraguai para os mais íntimos).
Antes de sair do carro, fui abordado por um vendedor de palhetas de limpadores de pára-brisas.
(Observação importante: A intenção aqui não é criticar o informalismo e a cultura de rua. Sustentei boa parte da minha viagem pela América do Sul como artista de rua, recitando poesia, cantando, dançando e ensinando um pouco de Forró e Coco, além de vender livretos artezanais com meus poemas.)
A técnica dele foi precisa, já chegou chegando, mostrando os arranhões no vidro, pegando na paleta velha para mostrar os defeitos e logo já estava com a mão nela para retirar.
Consegui escapar da primeira onda!
Disse que não tinha um centavo na carteira, o que era a mais puta verdade. Mas, para não ser mal educado e deixá-lo com raiva, prometi que se conseguisse sacar dinheiro a gente conversaria.
Foi aí o meu vacilo. Ele logo disse que tinha máquina de cartão, que trabalhava no quiosque verde e faria um preço especial para mim.
Entrei na feira, para consertar este celular com o qual vos falo (quer dizer, vos escrevo)😬.
Como o conserto ainda iria durar um tempo, voltei ao carro para buscar um livro (um ótimo livro, diga-se de passagem – “A Ilha” (Um repórter brasileiro no país de Fidel Castro).
Tive aí uma oportunidade, se já estivesse com o celular teria escapado com as minhas palhetas velhas, porém ilesas e setenta e cinco reais a mais na conta😔 (ps: aqui no Planalto Central, vamos ter 6 meses sem chuva)
Concluído o serviço, tentei ser rápido. Mas, não consegui escapar.
Veio a segunda onda!
- “ olha aqui o risco, olha aqui! Tá vendo essa borracha rasgada!”
- Ainda estou sem dinheiro irmão.
- Não doutor, a gente passa o cartão e faz um preço bacana.
Lá foi ele tirando a paleta da frente, mostrando como parava de riscar e dizendo que na próxima troca eu iria gastar bem menos porque só teria de trocar o refil.
Pensei comigo: – “Fazer o que? Vou gastar um dinheiro que não tinha preparado, mas, em algum momento, eu ia ter mesmo que trocar essa paleta”
Foi aí que veio a terceira onda!
Chegou o segundo vendedor (que era filho do dono). Já foi mexendo na paleta de trás, falou que era 15 e pediu para eu jogar água no pára-brisa, pra testar.
Não funcionou a água! Mas até aí nenhuma surpresa. Pra mim, meu carro nem tinha água para o limpador de trás.
Pintou aí a utilidade! Os dois saíram, buscaram um arame, desentupiram a pecinha. De uma hora pra outra, meu uninho, que já está comigo há muitoooo tempooo, passou a esguichar água no vidro traseiro. Como diria um saudoso amigo pernambucano: “Olhe só!”
Pensei por um instante que ia pegar um jacarezinho naquela onda. Triste ilusão!😔
Junto aos benefícios e elogios:
- Prejuízo é estragar o pára-brisa!
- Daqui uns dias você vem aí de SW4, de S10!
Veio uma conta de 80 reais (que, com muito choro, caiu pra 75), bem mais que os sessenta que eu tinha concordado em pagar.
Foi-se quinzão, mas ficou a filosofia:
Mesmo o lado selvagem do capitalismo urbano, atiçado pelas chamas da desigualdade social, pode ser útil!